Rocco Pugliese era um
jovem militante comunista da região italiana de Calabria
(vejam seu retrato e foto), assassinado em 1930
pelos carcereiros fascistas na penitenciária
da ilha de Santo Stefano, no
arquipélago das Pontinas, onde tinha sido deportado em
conseqüência da condenação decretada
em 1928 pelo "tribunal" especial fascista.
Rocco nascera em 27 de janeiro de 1903 em Palmi, em província
de Reggio Calabria, filho de Giuseppe Pugliese e Maria Polimeni,
e desde muito jovem tinha militado no Partido Socialista, sendo
depois em 1921 um dos fundadores
da célula de Palmi do Partido
Comunista de Italia, chegando a tornar-se o secretario dela
com a idade de dezoito anos.
Rocco teve uma decisiva formação política
revolucionária durante seu serviço militar obrigatorio,
cumprido em Turim, numa cidade obreira, onde o movimento revolucionário
era muito forte e ativo. O período do serviço militar
foi uma verdadeira escola de quadros, e o jovem que voltou para
Palmi, depois da dispensa era um dirigente comunista maduro e
consciente.
(Pugliese,
2015) Em 1925, na
altura dos acontecimentos que o levaram a tornar-se vítima
dos assassinos fascistas, Rocco era estudante de contabilidade.
As premissas
dos acontecimentos de Palmi
A vila calabrês
de Palmi, naquele tempo teve aproximadamente
15.000 habitantes (tem hoje 19.000), e era uma praça-forte
vermelha, centro de uma intensa actividade politica socialista
e mais tarde comunista, num território com grandes herdades
(principalmente citrícolas e oleícolas), com uma
pesada exploração de mão de obra dos jornaleiros.
(Pugliese,
2015)
A célula de
Palmi do Partido Socialista foi criada logo após o devastador
terremoto de Messina e Reggio Calabria de 28 de dezembro de 1908,
o que causou vítimas e danos na vila. Uma das batalhas
mais significativas do movimento revolucionário em Palmi
foi a vitória contra o absurdo aluguel imposto pelo município
de Palmi às pessoas que habitavam os barracos construídos
para os desabrigados após o terremoto, quem ficou em uso
por 20 anos, até 1928. (Pugliese, 2015) Ainda ficou memorável o desfile de
1924, quando até cinco-mil antifascistas desfilaram a fim
protestar contra o assassinato do deputado socialista Giacomo
Matteotti por parte dos fascistas, alcançando então
o cemitério da cidade para depor coroas e ramos de flores.
A forte presença antifascista em Palmi fez da cidade o
alvo de assaltos violentos pelos bandos fascistas, particularmente
numerosas, visto também que o "fascio di combattimento"
(esquadra de combate fascista) de Palmi foi um dos primeiros a
ser fundado na província de Reggio Calabria.
Nas eleições de 1924 os comunistas chegaram muito
próximos a ter eleito seu candidato, o advogado Diomede
Marvasi, não alcançando o quórum para alguns
votos; a célula do partido registrava trezentos membros,
com cento-e-oitenta membros do círculo juvenil, em grande
parte camponeses e trabalhadores, além de profissionais
e estudantes.
A força do movimento anti-fascista em Palmi manifestou-se
um contínuo contraste à expansão do regime
emergente, como quando o cacique fascista Michele Bianchi foi
duas vezes impedido de fazer um discurso em Palmi, causando um
curto-circuito na rede elétrica e empurrando-o a desistir
da manifestação por motivos de segurança. (Pugliese, 2015)
Nos dias antes do primeiro de maio de 1925, para impedir a celebração
da Festa do Trabalho, vários líderes antifascistas
foram presos sob uns pretextos, enquanto outros conseguiram escapar.
A reação foi uma greve geral, convocada nos dias
2 e 3 de maio, com manifestações de rua que tiveram
uma participação tão grande, que as autoridades
não se atreveram a enfrentá-las.
Os fascistas estavam planejando perturbar o protesto com suas
bravatas, mas os antifascistas de Palmi anteciparam-os devastando
a sede local do partido fascista e destruindo os cartazes ofensivos
contra os grevistas e forçando os fascistas deixar temporariamente
a cidade. (Pugliese,
2015)
Em 15 de agosto do mesmo
ano um bando de batedores fascistas provindo das aldeias vizinhas
acampou-se na noite às portas de Palmi para assaltar e
pôr fogo nas casas dos líderes dos partidos de esquerda
da vila, mas foi posta em fuga por uma centena de homens, liderados
por Rocco, Giuseppe Pugliese e Antonino Bongiorno.
A base que causou os acontecimentos de 30 de agosto de 1925 foram
as repetidas humilhações sofridas pelos fascistas
em Palmi, ainda mais duras, como foram aguentadas por quem juntava-se
a uma ideologia baseada na arrogância e no super-homismo
enquanto que em muitas outras partes da Itália os batedores
fascistas dominavam indisputados.
Os acontecimentos
da Varia
Em 27 de agosto de 1925 começaram na cidade as celebrações
religiosas da Madonna della Lettera (Mãe de Deus da carta),
com a festividade tradicional festa da Varia,
um grande carro votivo simbolizando a Assunção,
arrastado em procissão por dois ou trezentos aldeões
(os "mbuttaturi'") pelas ruas da vila, com o
acompanhamento da banda. (desde 2013 a festividade, junto com
outras três manifestações italianas, está
incluída no Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade
pela UNESCO, veja ligação).
Em 1925 os fascistas impuseram que durante a festa a banda do
Frigento, uma das duas envovidas na festividade, executasse o
seu hino "Giovinezza" ("juventude"),
e o presidente (fascista) do comitê das celebrações,
apojou esto abuso.
Os fascistas quiseram então impor seu hino igualmente durante
a procissão, em vez da tradicional marcha alegre composta
por Rosario Jonata, e a gente de Palmi resistiu ao abuso, exigindo
a restituição das contribuições dadas
e boicotando o transporte da Varia, visto também que os
portadores por tradição pertenciam as cinco guildas
dos carreteiros, marinheiros, açougueiros, artesões
e camponeses, e eram em maior parte comunistas e socialistas.
Na verdade para o transporte do carro ofereceram-se apenas cinco
marinheiros e cinco carreteiros e a procissão, transformada
por esta altura em uma parada política fascista, foi boicotada
até pelos padres: de facto apenas um deles participou na
procissão.
As provocações fascistas continuaram e a tensão
alcançou seu máximo em 30 de agosto na meia-noite,
quando a cidade assistia aos fogos-de-artifício: os fascistas
estouraram entre as mesas do café De Rosa, frequentado
por comunistas e socialistas, insultando-os e começando
cantar uma vez mais "Giovinezza". Rocco Pugliese
intimou parar a provocação, começando a cantar
o hino comunista "Bandiera Rossa" (bandeira vermelha),
mas foi assaltado com pauladas por um fascista e reagiu jogando
uma cadeira. No curso da algazarra gerou-se um tiroteio naquele
ficaram feridos dois fascistas, Rocco Gerocarni, quem morreu o
dia seguinte, e Rosario Privitera, além de dois transeuntes
(veja a notícia em "l'Unità" de 2 de setembro de
1925 e a versão fictícia
da agência de notícia oficial Stefani, publicada
pelo diário de Turim "La Stampa" de 1ro
de setembro de 1925).
A reação do nascente regime fascista foi durissima:
o comissário de polícia Francesco Cavalieri prendeu
muitos antifascistas da região, acusando-os de organizar
uma conspiração subversiva; o mesmo Cavalieri admitiu
mais tarde, durante o processo, que as apreensões deviam-se
a razões políticas e não eram ligados ao
homicídio (veja "l'Unità"
de 8 de setembro de 1925).
De acordo com o escritor Leonida Repaci (veja abaixo) quem foi
testemunha dos acontecimentos, o objetivo real dos tiros era ele
mesmo, quem teria sido atingido de esguelha por duas balas, enquanto
a terceira matou Gerocarni. Os tiros foram disparados do terraço
da família Sambiase, em frente do café, pelos mesmos
fascistas, que por engano atingiram seu companheiro Gerocarni.
O motivo da emboscada deve-se emoldurar no contexto da repentina
explosão da violência por parte da ala linha-dura
do fascismo, liderada pelo manda-chuva dos batedores fascistas
Farinacci, a fim de romper o impasse em que Mussolini tinha caído
depois do assassinato de Matteotti e das consequentes reacções
por parte dos antifascistas. O objetivo do assalto de Palmi era
de qualquer maneira uma vila com firmes princípios antifascistas,
sendo portanto punida por sua recusa de submeter-se à violência
do batedores fascistas.
Farinacci enviou um telegrama instigando à vingança
e em 15 de setembro os bandos fascistas devastaram o círculo
"Unione e Progresso" e a casa do operário
comunista Managò, quem ainda foi prendido mais tarde pela
polícia. Os fascistas igualmente assaltaram a casa do irmão
de Leonida Repaci onde roubaram objectos e dinheiro, e tentaram
invadir a prisão de Palmi, para linchar os antifascistas
prendidos para os eventos de Varia.
O journalista Giuseppe Dato, correspondente do jornal "Gazzetta
di Messina e delle Calabrie", mesmo sendo ele também
um fascista, foi agredido e jogado numa vasca cheia de água,
porque tinha criticado em uma correspondência as violências
dos bandos fascista.
Os fascistas nos dias seguintes impediram de fato o acesso a todos
os que não fossem agradecidos a eles, incluindo os advogados
dos acusados (veja "l'Unità"
de 15 de setembro de 1925).
O "processo"
A morte de Gerocarni
foi atribuída por uma preconcepção aos comunistas,
e a investigação preliminar foi conduzida em uma
maneira extremamente parcial: muitas testemunhas que tinham dado
depoimentos de acusação contra os réus, retrataram,
relatando ter sido ameaçadas pelos fascistas e, no mesmo
ano, em outubro, duas das testemunhas mataram-se, e um deles deixou
uma mensagem em que explicava que o seu suicídio era devido
ao remorso por ter injustamente acusado Leonida Repaci, Giuseppe
Pugliese e Giuseppe Marazzita, mas a corte não considerou
todo esto.
O 5 dezembro o Procurador-Geral do Tribunal da Relação
de Catanzaro pediu o despacho de pronúncia de trinta-um
pessoas para cumplicidade em homicídio premeditado e tentativa
de homicídio premeditado. A seção da acusação
do Tribunal da Relação de Catanzaro em 29 de março
de 1926 pediu o despacho de pronúncia de quinze pessoas
perante do tribunal criminal de Palmi, enquanto as outras foram
declaradas inocentes ou absolvidas ou por insuficiência
de provas, como no caso de Leonida Repaci (veja "l'Unità"
de 3 de abril de 1926).
O processo começou perante do tribunal criminal de Nicastro,
onde foi remitido para legítima suspeita. Com um abuso
que antecipava a futura gerência da justiça pela
parte do regime fascista, os advogados de defesa designados pelos
acusados, Gullo, Lo Sardo e Riboldi, foram prendidos e enviados
ao desterro; o processo foi então suspendido porque o Procurador-Geral
pediu o despacho de pronúncia de quatro testemunhas que
retraíram seus depoimentos acusatórios.
No mesmo 1926, seguindo o atentado do rapaz de quinze anos Anteo Zamboni, que tentou matar Mussolini,
com as leis de emergência de 26 de novembro de 1926 foi
estabelecido o tribunal especial
pela defesa do estado. O nome de "tribunal" era
absolutamente injustificado, visto que não era constituído
por juizes, mas por militantes do partito fascista, e em particular
por cônsules da MVSN (Milícia voluntária da
segurança nacional).
Em 12 de março de 1928 o tribunal de cassação
declarou com uma sentença que o processo teve que ser atribuído
ao tribunal especial, onde em 27 de novembro do mesmo ano começou
o debate. Os quinze acusados antifascistas tinham passado mais
de três anos em prisão preventiva, e eram acusados
de "homicídio, tentativa de homicídio, ações
tendentes a causar a guerra civil, insurreição contra
os poderes do Estado".
Entre os acusados havia Rocco Pugliese, quem teve antes da corte
um comportamento de nenhum modo submisso, coerente com a sua intransigência
na luta antifascista; para ele o Ministério Público
Isgrò pediu a prisão perpétua, por outros
oito acusados a pena proposta foi de 30 anos, enquanto a sentença
mais "leve" pedida foi de 12 anos e por apenas um acusado
foi pedida a absolvição por insuficiência
de provas. A pena de morte foi abolida na Itália em 1889
(de facto desde 1877) e foi restabelecida pelo regime fascista
em 1930.
Em 5 de dezembro de 1928, apenas oito dias após o começo
do processo, o tribunal (Presidente Tringali-Casanova, relator
Presti), pronunciou a Sentença n. 145, que cominava durissimas
condeneções: a mais pesada, de 24 anos e 7 meses,
tocou precisamente a Rocco Pugliese, enquanto Natale Borghese
e Vincenzo Pugliese foram sentenciados a 10 anos e 8 meses, Giuseppe
Florio e Gregorio Grasso 10 anos e 7 meses, Giuseppe e Antonio
Bongiorno 8 anos e 7 meses. Este último foi outra vez julgado
pelo Tribunal especial em 1935, para a organização
e a participação ao Partido Comunista, e recebeu
uma outra condenação a 12 anos.
Os outros seis antifascistas foram absolvidos, entre eles Francesco
Carbone, Antonio Sambiase, Giuseppe Pugliese, Pasquale Carella
e Giuseppe de Salvo, além do advogado socialista Giuseppe
Marazzita, futuro senator da República, que embora foi
então encarcerado muitas vezes nos restantes anos da ditadura
fascista.
Também deve se lembrar que Fortunato, irmão mais
velho de Rocco, nascido em 7 de maio de 1891, cocheiro de profissão,
casado com oito filhos, foi preso no dia 30 de novembro de 1926
para ter demonstrado solidariedade com Rocco, e foi atribuído
ao confinamento em Lampedusa e, depois, na ilha de Ustica. Apesar
da morte duma filha e, embora estava sofrendo dum tracoma exsudativo
que o fez quase cego, foi mantido em detenção e
liberado somente em março de 1929.
O caso
Repaci
Outro antifascista
de Palmi envolvido nos acontecimentos da Varia foi Leonida
Rèpaci (1898-1985), escritor e mais tarde também
pintor, criador do Prémio Literário Viareggio, sindo
ele também advogado que, de acordo com Francesco Spezzano,
senator do Partido Comunista depois da guerra mundial, era o verdadeiro
alvo, junto com Rocco Pugliese, da expedição punitiva
do bando de batedores fascistas.
Repaci foi encarcerado mas, como mencionado previamente, foi depois
absolvido durante a investigação preliminar e não
foi remetido ao Tribunal especial. A sua absolvição,
como aquela de outros acusados, foi atribuída às
intervenções de almofadinhas, no caso de Repaci
aquela de Arnaldo Mussolini, irmão do duce, além
do conselho de defesa constituído por peixes graúdos
do regime. Em todo caso Repaci beneficiou de numerosos testemunhos
de personalidades bem aceites ao regime fascista. Além
disso seu irmão mais velho Gaetano foi médico de
família de Mussolini.
Repaci de toda maneira, após ainda mais do que um mês
após sua absolvição, demitiu-se do Partido
Comunista com uma carta, publicada
por l'Unità o 6 maio 1926 em que reivindicava a sua posição
política marginal e colateral a aquela do PCdI e anunciava
seu próprio retorno à privança.
L'Unità respondeu à
carta de Repaci em uma maneira muito polêmica, com um artigo
não assinado mas atribuido ao Antonio
Gramsci, contrapondo o declararse fora de Repaci aos sofriments
dos presos políticos comunistas quem não renegavam
as próprias escolhas políticas.
A controvérsia continuou também em 1944, depois
da libertação de Roma, entre "l'Unità"
e o diário reaccionário "Il Tempo",
em que Repaci defendeu-se atacando aqueles que o acusaram de ter
sido absolvido pela intervenção do regime, mas depois
deixou cair a polêmica, quando "l'Unità"
publicou uma carta de Antonino e Giuseppe Bongiorno que relatava
muitos fatos que confirmaram as intervenções em
seu favor de parte de almofadinhas do regime.
Enquanto estava encerrado Rèpaci escreveu "In fondo
al pozzo" (no fundo do poço), um romance com muitas
referências autobiográficas, mesmo aos eventos da
Varia de 1925.
O assassinato
Rocco Pugliese foi
aprisionado em 19 de janeiro de 1929 na penitenciária de
Santo Stefano (veja minha página)
que era usado pelo regime fascista para alí deportar os
opositores mais perigosos, com o intento de dobrar a sua vontade
com as durissimas condições de detenção.
Aos presos políticos sentenciados pelo tribunal especial
eram afligidos por um tratamento particular duro, com a isolação
dos prisioneiros comuns, a fim evitar que seu carisma poderia
exercer influência neles. Eles foram também submetidos
a uma vigilância mais estrita, exortada aos carcereiros
por um cartaz afixado às portas das suas celas, que admoestava:
"prisioneiro perigoso a vigiar com cuidado".
Em Santo Stefano Rocco manteve seu comportamento orgulhoso ("um
exemplo de resistência e de orgulho, de acordo com Vico
Faggi), e recusou submeter-se à máquina carcerária
fascista, que fêz-lhe pagar caro, no início com aborrecimentos
e torturas contínuos, e finalmente com a morte, que ocorrera
em 17 de outobro de 1930.
De acordo com a versão oficial Pugliese cometiu suicídio
pendurando-se, enquanto uma outra versão, não muito
acreditável, alega que ele morreu sufocado quando dois
carcereiros tentaram alimentar o forçadamente com uma sonda,
amarrado à cama de contenção. A alimentação
forçada teria sido decidida em conseqüência
de uma suposta greve da fome de Rocco.
Na realidade diversas fontes acreditáveis afirmam que Pugliese
foi estrangulado ou então matado a pancadas pelos carcereiros:
de acordo com Francesco Spezzano "depois de lançar-lhe
na cabeça uma coberta (...) mataram-o a pauladas"
e além disso "seus gritos desesperados foram ouvidos
por muito tempo pelos seus companheiros de aprisionamento (...)
que, cerrados nas outras celas, não puderam fazer nada
para ajuda-lo" e então "a emoção
para o bárbaro assassinato foi enorme entre os prisioneiros
que fizeram então uma coleta para mandar uma coroa de flores
a seu funeral".
O tratamento acima descrito era chamado pelos carcereiros
o "Sant'Antonio", com um termo derivado do calão
dos camorristas, os mafiosos de Nápoles: consistia em irromper
de repente na cela, cobrir a vítima com uma coberta, e
então atingi-la duramente com pontapés, socos, pauladas
o com as grossas chaves das celas. A coberta servia para não
fazer reconhecer os agressores, para sufocar os gritos da vítima
e impedir-lhe de reagir, e também para não deixar
traços no corpo do alvo do espancamento, quem pudessem
testemunhar a agressão. De acordo com Giuseppe Mariani,
anarquista da região da Ligúria já encarcerado
em Santo Stefano, naquele penitenciária durante os espancamentos
tampouco usava-se a coberta, pois que os guardas, estando certos
da sua impunidade, não julgavam oportuno tomar nenhuma
precaução.
O comunista Giovanni Pianezza, companheiro de cela de Rocco, obteve
a permissão de poder ficar na morgue para o velório
do cadáver, declarando ser seu primo. Em um momento de
desatenção dos guardas teve exito em levantar o
lençol que cobria o corpo e viu que a cara era cadavérica,
como por uma morte para asfixia. Surpreendido pelos carcereiros,
foi ameaçado morrer na mesma maneira de Rocco, se tinha
falado, e então foi imediatamente transferido.
O socialista Sandro
Pertini, quem foi presidente da República italiana
de 1978 a 1985, encerrado em Santo Stefano de 1929 a 1930, muitos
anos depois, em 1947, elegido deputado da Assembleia Constituinte,
rememorou num discurso no plenário que "Rocco Pugliese
foi assassinado na prisão de Santo Stefano enquanto
eu era lá, na sua cama com faixas de contenção".
O discurso de Pertini era uma réplica à resposta
do ministro da Justiça Giuseppe Grassi a uma interpelação
parlamentar dele concernindo o espancamento de parte dos carcereiros
de alguns prisioneiros da cadeia de Poggioreale em Nápoles,
que teve por conseqüência a morte de um deles.
Pertini foi muito claro: "... eu falo por experiência
pessoal (...) . Na cadeia, honorável ministro, acontece
isto: um prisioneiro é golpeado; na conseqüência
dos sopros o prisioneiro morre, e então todos empeçam
preocupar-se, e não somente os carcereiros que bateram
o prisioneiro, mas igualmente o diretor, o doutor, o capelão
e todos os que fazem parte do pessoal da cadeia. E então
fazem esto: desnudam o prisioneiro, penduram o à grade
da janela e o deixam descubrir assim pendurado. Então chega
o doutor e escreve um relato de morte por suicídio. Esta
foi a morte de Bresci. Bresci foi golpeado à morte, então
penduraram o seu cadáver à grade da janela da sua
cela de Santo Stefano, onde eu estive por um ano e meio".
Pertini referia-se à morte de Gaetano Bresci, anarquista
de Prato, perto de Florença, condenado à prisão
perpétua pelo assassinato do rei Humberto I (veja a minha
página sobre dele), que morreu
em 1901, após poucos meses de sua transferência a
Santo Stefano.
Além disso Pertini, num testemunho relatado em um livro
editado por Vico Faggi, conta: "Uma noite fui acordado
por um grito abafado: «mamã, mamã!».
O dia depois alguém espalhou o boato que Rocco Pugliese
tinha-se pendurado; mas o suicídio não era nada
mais que uma encenação. Pugliese tinha sido matado
pelos carcereiros."
Na mesma obra lembra-se que o assassinato dos presos políticos
nas prisões fascistas não era um caso isolado, como
demonstrado pelos exemplos de Gastone Sozzi na cadeia de Perugia
e de Romolo Tranquilli, o irmão de Ignazio Silone, na cadeia
de Procida. A edição clandestina de l'Unità
de 1ro de janeiro de 1929 enumerava
os nomes dos prisioneiros comunistas falecidos ou de qualquer
maneira sofrendo nas prisões fascistas.
O falecimento de Rocco foi imediatamente percebido como um assassinato
e a notícia chegou aos círculos anti-fascistas na
Itália e no exílio. O jornal do Partido Comunista
francês "L'Humanité", publicou em 21 de
dezembro de 1930 um artigo de Gabriel
Péri, que mais tarde tornou-se deputado comunista,
intitulado: "Comment périrent à San Stefano
les communistes Castellano et Pugliesi" ("Como faleceram
em Santo Stefano os militantes comunistas Castellano e Pugliesi")
(Pugliese,
2015) denunciando
a morte de dois prisioneiros comunistas, Castellano e Rocco Pugliese,
(erroneamente denominado "Pugliesi"), e o grave estado
de saúde do militante comunista Emmanuelli e de Sandro
Pertini, doente com tuberculose. O artigo atribuía a morte
de Rocco a uma represália das guardas por ter recusado
seus avanços sexuais, dando em lugar o alarme em voz alta.
Mais tarde Rocco teria sido tiranizado, fornecendo-lhe comida
incomível, que ele teria recusado, desencadeando a segregação
e o jejum na "cama de contenção" e o subsequente
falecimento.
O artigo de Péri e a propagação da notícia
pelos antifascistas exilados envergonharam o regime fascista,
e Mussolini estabeleceu uma ridícula comissão de
inquérito sobre as condições dos prisioneiros
nas cadeias, que previsivelmente não deu resultados, com
exceção dum alívio temporário do brutal
tratamento nas prisões.
Em todo caso a família de Rocco soube da sua morte quase
por acaso e o cadáver não foi nunca restituido. (Cordova, 1965)
A sede cemtral da
polícia de Reggio Calabria deu instruções
para evitar um funeral público em Palmi, dando ordens para
um transporte nocturno do cadáver ao cemitério,
mas, na verdade, o corpo de Rocco nunca chegou em Palmi e foi
provavelmente destruído já em Santo Stefano (PUGLIESE, 2015), como provavelmente aconteceu com o cadáver
de Gaetano Bresci.
Uma obra
teatral e quatro livros
A companhia teatral
Teatridelsud de Palmi encenou "LArrobbafumu"
um espetáculo de Francesco Suriano, interpretado por Peppino Mazzotta, tirado por um livro
do mesmo autor, que toma ocasião dos acontecimentos de
Palmi para contar a Calabria e os seus atrasos do desenvolvimento.
O escritor calabrês Domenico Gangemi
publicou em 2004 um romance livremente inspirado aos eventos da
Varia de 1925 intitulado "'25 nero",
publicado por Pellegrini Editore.
Além disso o político moderado Natale Pace, vereador
e ex-vice-presidente da câmara municipal de Palmi, em seu
ensaio "Il debito" ("A Dívida"), publicado
em 2006 por Laruffa Editore, relata da vicissitude de Rocco, do
ponto de vista do Leonida Repaci, que era amigo próximo
do autor.
Em 2015 a editora Annales de Roma publicou "Rocco Pugliese:
un Comunista di Calabria" um bom livro de Lorenzo
Pugliese, um parente de Rocco, que relata com paixão
e envolvimento do resultado dma pesquisa de 18 anos, realizada
pelo autor através de arquivos, revistas, bibliotecas e
relatos de testemunhas. Este livro cumpre inteiramente o auspício
que Sandro Pertini expressou a uma sobrinha de Rocco, para que
o sacrifício desse jovem de Palmi nunca for esquecido.
Em 2017, o jornalista Pier Vittorio
Buffa publicou pela Nutrimenti de Roma o livro "Non volevo morire così" ("Eu
não queria morrer assim"), que conta histórias
de presos de Santo Stefano e confinados de Ventotene, coletados
em grande parte de seus dossiês mantidos nos arquivos, incluindo
os de Santo Stefano. Um capítulo é dedicado a Rocco
Pugliese.
Em 25 de abril de 2018, a cidade de Palmi colocou uma placa
no local onde ficava a casa natal de Rocco Pugliese.
Para eterna memória,
aqui ficava a casa natal de
Rocco Pugliese 1903-1930
Um comunista palmense que com outros jovens antifascistas estabeleceu
a secção do Partido Comunista da Itália em
Palmi
Condenado inocente pelo Tribunal Especial pelos "fatos
da Varia" de 30 de agosto de 1925 morto pela brutalidade
fascista na Penitenciária de Santo Stefano
Sandro Pertini
A CIDADE COLOCOU
Rocco
Pugliese hoje
Apesar de sua reclusão,
do assassinato e da ocultação de seu cadáver,
embora mais de 80 anos se passaram desde a sua morte e talvez
ninguém daqueles que conheciam Rocco ainda está
vivo, aquele jovem de Calabria de 27 anos ainda está vivo
na memória, e seu sacrifício ainda desperta gratidão
e seu brutal assassinato ainda inspira horror e indignação.
REFERÊNCIAS
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- GALZERANO Giuseppe (1988) Gaetano Bresci: la vita, l' attentato,
il processo e la morte del regicida anarchico. Galzerano editore
- Atti e memorie del popolo - Casalvelino Scalo (Salerno).
tel. e fax: 0974.62028 http://galzeranoeditore.blogspot.it/ e-mail: giuseppe.galzerano@tiscalinet.it
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- SPRIANO Paolo (1969) Storia del Partito Comunista Italiano.
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SITES
CONSULTADOS (acessíveis
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https://it.wikipedia.org/wiki/Leonida_Repaci
http://www.terreprotette.it/tp2/106
http://www.ventotene.it/escursioni.aspx
https://circoloarmino.files.wordpress.com/2014/04/antifascisti-nati-o-residenti-a-palmi.pdf
não
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http://www.anpi.it/ts/1928_4trim.htm
http://www.variadipalmi.it/curiosita.asp?modulo=leggi&ID=6
http://spazioinwind.libero.it/nb/vittoriofoa/tribunale.htm
http://www.teatrodellacquario.com/stagioni/2007/schede/arrobbafumo.htm
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http://www.istoreco-re.it/isto/default.asp?id=326&lang=ITA
http://www.domenicogangemi.it/
http://www.traveleurope.it/ventoten.htm